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MEMÓRIA

Sobre Fotografia e Memória

Minha pesquisa faz uso de uma busca pela deterioração da imagem de forma a confrontar e questionar a confiabilidade da fotografia como representante da realidade e guardiã da história. A mim parece que tal como nossa memória vai esmaecendo, perdendo as cores e modificando-se com o passar do tempo, assim também a fotografia perde sua nitidez e confiabilidade à medida que constatamos a possibilidade de adulterações e a própria mudança na forma de leitura (como quando não sabemos quem é um parente fotografado e a referência que nos era dada por um avô ou um parente mais velho é perdida, ou quando nos confundimos ao ver na televisão alguém já falecido fazendo comentários a respeito de coisas atuais).

Sobre o fazer fotográfico, houve, num período muito curto uma revolução na maneira de realizá-lo, o que antes era um processo físico-químico, analógico, foi substituído por outro eletrônico-virtual, de linguagem binária, onde muitos dos procedimentos foram modificados, desapareceram ou estão se transformando com grande velocidade. Pensar a fotografia atualmente nos provoca diversos dilemas, que requer um aprendizado desta nova linguagem e uma adaptação de quem a produzia de forma analógica e migrou para produção fotografias digitais.

Com relação à associação da imagem ao que é real. Uma fotografia já não representa um fragmento da realidade e muitas vezes já não consegue nos situar com relação ao tempo de sua realização. Qual será o espaço ocupado pela fotografia em uma época onde mesmo a imagem de pessoas ou coisas que não existem pode ser criada sem nenhuma dificuldade, como poderemos distinguir o que é e o que não e verdadeiro?

As fotos que se seguem foram feitas através do uso de um scanner, com negativos coloridos que realizei há poucos anos. Aproveito ruídos causados pelo tempo nos fotogramas, somados a algumas particularidades da captura digital, que ressalta manchas e modifica as cores retratadas originalmente, agora corrompidas pelo aparecimento de fungos, marcas de adesão aos porta-negativos e deterioração química.

Há ainda, como resultado de uma pesquisa mais aprofundada uma nova preocupação e neste sentido o que justifica a continuidade de minha busca com o que chamarei de “memória software” ou “memória app” que nos coloca o seguinte dilema: por que razão estamos colocando em imagens recém produzidas estes ruídos, estas cargas de tempo – será meramente uma questão estética? Ou em tempos de arquivos digitais excessivamente limpos e organizados precisamos de alguma humanização destes arquivos. Além disso, estamos cada dia mais sujeitos a programas de computador para nos organizar e categorizar o que devemos ou não lembrar, ou como isso entra em nossa linha do tempo – sobre essa linha do tempo quão confiável ou como entender estes sinais?

Este trabalho foi distinguido com o XI Prêmio Marc Ferrèz de Fotografia em 2010.

Ricardo Junqueira